UM COPO DE LEITE FAZ DIFERENÇA!
Ana Carla de Oliveira Baumgratz - Médica Veterinária
O início da ingestão de leite confunde-se com os primórdios da civilização humana. Voltemos ao período em que nossos ancestrais deixaram seus hábitos nômades de lado e iniciaram a domesticação dos animais, surge nesse momento o consumo de leite por indivíduos adultos. O leite foi fundamental para a evolução humana, visto que, contribuiu para o desenvolvimento de uma ossatura mais forte e dentes mais resistentes, auxiliando no aumento da expectativa de vida desses indivíduos.
Realmente somos os únicos animais que consomem leite na fase adulta, mas existem motivos para isso que vão além da discussão sobre saúde: 1) desenvolvemos técnicas para domesticação de animais e, assim, conseguimos incorporar o leite em nossa dieta; e 2) não destinamos o leite à alimentação de outros animais adultos porque ele é considerado nobre e seu custo é alto para usá-lo como ingrediente de rações. Dra. Patrícia Blumer Zacarchenco, pesquisadora do alimento há quase duas décadas, ressalta que quando o filhote torna-se adulto, o desmame nas diferentes espécies não ocorre porque o leite deixa de ser adequado para a cria, mas para que o filhote passe a ingerir outros alimentos, como também para que a fêmea poupe energia para a nova gestação e lactação. A mesma lógica pode ser aplicada às pessoas.
Um dos alimentos mais controversos da atualidade, o leite divide opiniões de profissionais da saúde que se digladiam entre críticas e elogios ao tratar dos efeitos da bebida ao corpo humano. O leite é um dos alimentos com maior densidade nutricional. Sua composição química é variável a diversos fatores ligados aos animais e outros externos como, por exemplo, alimentação. O leite contém cerca de 87% de água e 13% de sólidos (carboidratos, gordura, proteínas, sais minerais e vitaminas).
A lactose, carboidrato exclusivo do leite, está presente para fornecer energia ao nonato e auxiliar na absorção do cálcio. A intolerância à lactose (hipolactasia primária), ocorre quando o organismo não está apto a digeri-la por causa da ausência total ou parcial da enzima específica para esse fim. Quando não digerida, a lactose atinge o intestino grosso intacta e é fermentada nele, quando em excesso, causa os sinais clínicos, como diarreia, distensão abdominal, dor, enxaqueca e flatulência. A intolerância é mais comum em adultos, e vale lembrar que a lactase é uma enzima substrato dependente, ou seja, sua produção depende da quantidade de lactose ingerida. Este é o grande perigo dos modismos que pregam a retirada da lactose da dieta: criar indivíduos artificialmente intolerantes. Pela mesma razão, os intolerantes não devem retirar por completo a lactose de suas dietas, mas sempre respeitando os limites de seus organismos.
Como o Dr. Drauzio Varella sempre enfatiza, “o leite é a principal fonte natural de cálcio, pois é aquela que apresenta a maior biodisponibilidade”. Ainda assim, os defensores de dietas veganas, insistem em dizer que é possível substituir as proteínas animais por fontes vegetais, sem prejuízos para a saúde óssea. Trabalho publicado no The Journal of Nutrition, em setembro/2020, jogou a teoria vegana por terra, visto que, a substituição das proteínas animais por fontes vegetais aumentam o risco de reabsorção de cálcio dos ossos, o que indica um risco claro. A maioria dos brasileiros não consome frutas e hortaliças, então imaginemos: quantos conseguirão ingerir a quantidade diária de cálcio por meio de hortaliças (brócolis, couve e espinafre)? Além de atuar na prevenção da osteoporose, o cálcio também auxilia na ativação de sistemas enzimáticos, coagulação sanguínea, contração muscular, estímulo à secreção hormonal, pressão arterial, regulação do estímulo cardíaco e transmissão dos impulsos nervosos.
A caseína é a proteína predominante do leite e pode desencadear alergia em alguns indivíduos. É a alergia alimentar mais comum na infância, mas sua persistência na vida adulta é incomum. Leite de outros mamíferos, como cabras e ovelhas, são tão antigênicos quanto o de vaca. Os sinais clínicos mais comuns são erupções cutâneas, sintomas gastrointestinais e respiratórios. Além da função nutricional, a caseína é o meio pelo qual é possível disponibilizar ao neonato grande quantidade de cálcio, pois é essencial para que o mesmo passe pelo tecido mamário sem provocar calcificações. Hoje há disponível nos mercados o leite A2A2, que devido a características da caseína A2, apresenta maior digestibilidade e assim, redução dos sintomas de desconforto.
Nenhum alimento é capaz de suprir todas as exigências sozinho. Então, quanto mais variado o cardápio e colorido o prato, melhor. Nutrição não é apenas um ponto de vista, é ciência! Não podemos ser levianos e rasos nas recomendações de simplesmente retirar alimentos da dieta sem que haja uma necessidade médica comprovada para a restrição alimentar.
O leite não consegue sozinho suprir todo o cálcio necessário diariamente, mas há alguns fatores importantes para mantê-lo em nossa dieta: sua multifuncionalidade, o preço e, claro, o gosto da população. Ele é um produto que foi, é e continuará sendo extremamente importante para os seres humanos. A produção leiteira é parte essencial do sistema alimentar global, proporcionando benefícios nutricionais, econômicos e sociais a uma grande parcela da população mundial.