CONCESSÃO DO PARQUE IBITIPOCA

O Instituto Estadual de Florestas (IEF) publicou, dia 30/12/2021, a abertura da consulta pública para conhecimento e análise da minuta do edital e de seus anexos referentes ao futuro processo de licitação, na modalidade concorrência, para concessão do Parque Estadual de Ibitipoca.
O parque está na lista de 26 unidades de conservação do país que serão concedidas à iniciativa privada, para fins de exploração econômica de atividades de ecoturismo e visitação.
O IEF também liberou a consulta para o Parque Estadual do Itacolomi, que fica nas cidades mineiras de Ouro Preto e Mariana, e marcou audiências públicas para apresentação e discussão das licitações.
No caso do Parque de Ibitipoca, até o dia 14 de fevereiro de 2022, a população poderá contribuir com ideias sobre o projeto, que prevê novos investimentos na unidade de conservação e um aumento no número de visitantes no parque estadual, respeitando-se os limites diários de visitantes previstos nos regulamentos de cada área. Vale ressaltar que a concessão compreende apenas a prestação de serviços relacionados à visitação. A gestão ambiental e a coordenação das unidades de conservação permanecem sob responsabilidade do IEF.
Durante esse período, a população poderá emitir opiniões sobre o projeto, através de formulário eletrônico, ou via audiência pública presencial e virtual. Depois dessa etapa, o edital de concorrência internacional será publicado.
A audiência acontecerá no dia 8 de fevereiro, às 10h, no Hotel Serra do Ibitipoca. O encontro será realizado de forma presencial e virtual, e todos os interessados estão convidados. Quem quiser realizar observações relacionadas ao edital deve preencher o formulário de contribuições até 14 de fevereiro de 2022.
A proposta das concessões surgiu de parceria entre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e os Governos de seis estados, incluindo Minas Gerais. A concorrência pública tem por finalidade selecionar a proposta mais vantajosa para celebração de contrato de concessão de uso de bem público para fins de exploração econômica de atividades de ecoturismo e visitação, bem como serviços de gestão e operação dos atrativos existentes e a serem implantados no Parque Estadual do Ibitipoca e no Parque Estadual do Itacolomi. O processo de licitação na modalidade concorrência, será julgado pelo critério de maior oferta de outorga fixa pela concessão a ser paga ao poder concedente.
Dados do Estado de MG referentes a 2018 indicam que, naquele ano, o Parque Estadual de Ibitipoca recebeu 86.410 visitantes e arrecadou R$1,9 milhão. Em 2019, o faturamento foi de R$2.151.162,80. Em 2020 e 2021, as visitações oscilaram devido aos períodos fechados em função da pandemia Covid 19.
A proposta de concessão do Parque de Ibitipoca é assunto junto à comunidade de Conceição do Ibitipoca. A preocupação com o futuro decorre do fato de o Parque ser o principal propulsor da economia local, aquecendo o turismo, o comércio e os serviços.
São inúmeros os questionamentos quanto ao futuro do Parque, forma de exploração turística, acessibilidade e tantos outros pontos que precisam ser amplamente discutidos. Em meio a tantas dúvidas, as opiniões já formadas sobre o assunto estão divididas:
O nativo de Ibitipoca Gabriel Fortes, membro da Associação de Moradores e Amigos de Ibitipoca (AMAI), reforçou que a comunidade não foi ouvida diretamente. “Não sou contra concessão, mas sou contra a concessão no Parque de Ibitipoca, porque é um parque que já dá lucro. É a unidade de conservação no estado que se paga.” Gabriel, que é guia turístico no Parque e entorno, acha que a condução da proposta não tem abrangido toda a comunidade, porque a comunicação não estaria sendo eficaz. “O Conselho Consultivo do Parque, por mais que seja representado por várias entidades, não representa a comunidade como um todo. Têm lideranças que nem usam o WhatsApp, como os produtores rurais. Não adianta fazer post no Instagram e divulgar e fazer reunião on-line. A comunicação tem que ser de todas as formas: as digitais, as impressas, com banner ou cartaz; e o boca a boca, que é ir de casa em casa explicando. Mas não tem isso, vem meio de cima para baixo. É aí que pecam.”
Gabriel ressalta que o Parque de Ibitipoca, já é auto sustentável, pois sua arrecadação anual gera quase R$1 milhão por ano de renda líquida, mas esse recurso não fica na unidade e região. “Precisamos sim de organização e distribuição desse recurso para o próprio Parque. Os visitantes vêm pra nos visitar pela beleza natural e não pra ver mirantes artificiais, e muito menos pra grandes aglomerações. No projeto de concessão é claro que o maior intuito é o lucro. E visa um aumento substancial no número de visitantes, impactando diretamente na Vila de Ibitipoca, que já sofre com falta de estruturas. Não precisamos de aumentar número de visitantes e sim melhorar a qualidade deste visitante, com educação, organização e planejamento. E, no nosso caso, não precisa entregar para a iniciativa privada. O Estado não pode só olhar da portaria pra dentro. Existe uma comunidade antes da porta, que sofre muito por qualquer que seja o impacto feito no Parque”, analisa.
O empresário Antônio Cézar de Souza é a favor da concessão. Ele considera que, em outros lugares onde as concessões foram acertadas, melhorou muito a estrutura física dos atrativos, com modernização e eficiência no atendimento aos turistas.
Cézar afirma que, em Aparatos da Serra, no RS, por exemplo, construiu-se um dos maiores e melhores observatório de pássaros do mundo, Teleférico de travessia, etc..
“Falam-se em construção de hotel no parque, mas acredito que seja benéfico também. Em Torres del Paine, no Chile, por exemplo, existem vários hotéis no parque, mas preferi acampar nos abrigos. Acredito que muitos hóspedes irão optar por ficar na vila e conhecer sua comunidade. Não devemos temer nada. Temos que nos ajustar e oferecer coisas boas a nossos hóspedes, proporcionar vivências únicas e ímpares.”
A francesa Celine Billard é contra a concessão do Parque a empresas privadas e defende uma gestão compartilhada com a comunidade.
Professora e profissional de Audiovisual, Celine mora no arraial desde 2016. Para ela, o processo de concessão está vindo de cima, sem ter em conta as comunidades do entorno e os possíveis impactos ambientais e sociais que a concessão pode trazer. “Conceição do Ibitipoca já sofre com o descuido da gestão pública já faz muito tempo e também com problemas de especulação imobiliária, de construções ilegais, de desmatamento, de lixo, de água, de tratamento de esgoto, de energia, de estrada e de educação. Enfim, já sofre com o turismo descontrolado”, denuncia.
A Professora considera que, antes de querer ampliar esse turismo, é preciso organizar o arraial, formar e desenvolver um turismo realmente ecológico e sustentável. Ela considera que, nesse processo, o envolvimento das comunidades é fundamental. “Vincular as comunidades locais aos negócios de ecoturismo é uma ferramenta indispensável para proteção e conservação, ainda mais no contexto de Ibitipoca, onde a história das comunidades é profundamente ligado ao Parque Estadual do Ibitipoca, antigo Serra Grande”, enfatiza.
Celine diz se preocupar muito também com o aumento do turismo dentro de uma unidade de conservação, com várias intervenções, trilhas, construções, outro centro de visitante, estacionamento, playground, dentre outras coisas que mostram os documentos relativos à concessão. “Nosso parque é de uma riqueza natural imensurável, muito frágil, com várias nascentes, tornando o Parque fundamental dentro dos corredores naturais regionais. O objetivo principal de uma unidade de conservação é gerar maior apropriação social e ser eficaz na sua conservação, mas não gerar lucro para poucos”.
Ela criou, juntamente com outras pessoas, um grupo em Defesa de Ibitipoca, com o objetivo de informar, alertar sobre os riscos da concessão dos serviços turísticos do Parque Estadual do Ibitipoca a uma empresa privada. Tem um abaixoassinado https: //www.change.org/sosibitipoca e pretendem organizar bate papos com especialistas, pesquisadores para esclarecer o edital da concessão e permitir que as pessoas tenham uma opinião própria e consciência do que vai acontecer. “O edital é muito confuso. Prevê diversas propostas de acessibilidade que ultrapassam os princípios de uma unidade de conservação. O próprio edital se mostra inacessível com limitação a pessoas com acesso à internet e um linguajar muito rebuscado”, considera.
A guia turística Ana Paula Brandão Diniz mostra-se totalmente contra a concessão da forma como estão fazendo, sem participação popular e sem contrapartida e está, inclusive, na linha de frente contra. “Já faz tempo que pedimos maior participação da comunidade e dos guias e nada … Só enrolam! Agora estão fazendo tudo correndo, numa época de férias. A consulta pública, que era para ser a voz da comunidade, agora é super burocrática e, se você tiver 3 questionamentos, por exemplo, tem que preencher 3 vezes o formulário cheio de palavras difíceis”, explica.
Já o Guia Rodrigo Paranhos, pela teoria, se diz a favor da Concessão. Mas afirma ficar receoso, “pois no Brasil nem sempre as coisas funcionam do jeito certo”.
A empresária Fabiana Frederico frequenta Ibitipoca há 25 anos e tem 2 restaurantes no Arraial. Há 2 anos e meio divide a residência entre o arraial e Juiz de Fora, aonde trabalha como Professora.
Ela considera que a questão mais importante e primordial é em relação ao modelo de administração do Parque e o modo de Concessão que está sendo desenhado, que prioriza a exploração econômica de uma área de proteção ambiental. “A questão não é ser contra ou a favor da concessão, mas sou contra o modelo que está sendo apresentado”. Para Fabiana, o Edital não prevê uma forma de controle social e de fiscalização sobre a empresa que for administrar o Parque, mesmo sendo o Parque “um patrimônio do povo de Lima Duarte”.
Fabiana ressalta que, inicialmente, a comunidade foi alijada do debate e isso pode ser comprovado através de diversas reuniões do Conselho do Parque. “Agora, com o processo de consulta pública, o IEF já mandou ofício para a Associação de Moradores e Amigos de Ibitipoca (AMAI) afirmando que só serão somados ao projeto original sugestões que comunguem com a proposta apresentada. Assim pra mim não é consulta pública!”, alerta.
A Professora e Empresária acha que estão previstas intervenções no Parque que desrespeitam a legislação, já que o mesmo é tombado como patrimônio. Segundo Fabiana, existem limitações severas em alterações no ambiente que estão sendo desrespeitadas pelo modelo de concessão. “A atual proposta tem lógica exclusivamente financista, uma vez que o critério 1 é quem vai pagar mais ao Estado. Sem nenhuma contrapartida ambiental, de saneamento e infra estrutura para a vila, que vai ter um.fluxo maior de turistas e hoje já sofre com esses problemas”, analisa.
A comerciante se diz receosa por ser um projeto excludente, com preços abusivos para ingresso no Parque. Ela também acha que não está claro como se dará a exploração comercial dentro do Parque, visto que o projeto de concessão prevê a construção inicial de lojas e restaurantes. “A vila de Ibitipoca pode virar apenas um corredor de acesso para o Parque”, denuncia.
Para Fabiana, tantas dúvidas e receios vêm do fato de que não houve o diálogo franco, os moradores não foram convidados a participar do projeto e até agora a comunidade está alheia ao processo. “Queremos garantias ambientais, comerciais e desenhar em conjunto uma proposta inclusiva, que traga benefícios à vila, ao comércio local e, principalmente, preserve nosso maior patrimônio que é o Parque”, avalia.
A Guia Turística Lucélia Vitória Medeiros é contra o processo de Concessão por considerar que o Parque já é sustentável por si próprio, tão bonito, que não precisa fazer mais nada.
Ela ressalta que o Parque é diferenciado, o segundo em maior concentração de rochas quartzíticas do mundo. Para Vitória, o Parque não precisa abrir novos atrativos, porque os roteiros já são suficientes e nem dá tempo de visitar mais. “Precisamos dar melhores condições de vida aos turistas no arraial. “Com a concessão pensam em aumentar o número de turistas em cada trilha, o que o Parque não suporta. Com uma Concessão de 30 anos, imagine o que irão fazer com o Parque pra ganhar dinheiro”, avalia.
Vitória acha que o momento é de união de moradores, profissionais, AMAI e outros contrários à Concessão: “Se tivermos união, teremos mais força e poderemos impedir essa Concessão. No parque Estadual do Jalapão, em Tocantins, todos se uniram e conseguiram impedir a Concessão”, finaliza.
O morador da vila desde 2016, músico e comunicador, Fred Fonseca, é contra a concessão nos moldes que são apresentados. Para ele, caso fosse mais inclusivo, poderiam estar falando de uma concessão para uma gestão comunitária, com o intuito de reverter o montante de verba do Parque de forma direta pra melhorias para o município e para a Vila de Conceição de Ibitipoca. Contudo, da forma que segue o processo, ele acha que “a verba ainda sairá da vila para mão, não mais do estado, que não devolve de forma justa ao município, mas sim para mão de empresas privadas que não tem o compromisso em realizar melhorias no entorno.”
Fred afirma pensar que, se o poder público já não atende de forma coerente às demandas de infraestrutura da vila, é muito romântico pensar que uma empresa privada, que busca lucros, irá fazê-lo.

AMAI analisa processo de Concessão
Fred Fonseca é Vice Presidente da Associação de Moradores e Amigos de Ibitipoca (AMAI) e explica a situação da Associação. Segundo ele, a AMAI não pode ter posição sobre esse processo, pois é uma associação plural e os associados têm posições diferentes sobre o processo.
Fred considera que cabe à AMAI colaborar para informar e acessibilizar a compreensão dos documentos e também sobre a fragilidade do Parque. “A AMAI, mesmo não sendo reeleita para o Conselho Consultivo do Parque Estadual do Ibitipoca, irá buscar formas de se fazer presente nas reuniões e atividades referentes ao PEIb, uma vez que o Parque está situado justo ao lado da vila e ambos dentro do município de Lima Duarte e o que acontece no Parque interfere diretamente na vida dos moradores”, enfatiza.
Assim, Fred afirma que a AMAI procura entender o processo e, se possível, garantir as contrapartidas necessárias para melhorias de infraestrutura necessária em Conceição de Ibitipoca e que correm sérios riscos com um aumento expressivo no número de visitantes do Parque.
A direção e associados estão estudando e convocando pesquisadores e professores universitários que já participaram da Semana Científica, realizada em março de 2021, promovida pela AMAI e transmitida on line através do canal do youtube, a TV Ibitipoca, “A mobilização será para cumprir a deficiência de acessibilidade que o edital possui, pois limita a consulta a pessoas que têm acesso à internet e compreendam a linguagem rebuscada que deixa pouco compreensível para muitos o que realmente contém nesses documentos e nesse processo. Iremos realizar, no final de janeiro, uma Mesa Redonda e palestras públicas para informar aos moradores de Ibitipoca sobre todo o material que vem sendo estudado”, afirma.

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